domingo, 31 de março de 2013

O Cheiro do Ralo - 2006


Lourenço (Selton Mello) ganha a vida comprando objetos usados e revendendo-os. Com o passar do tempo, Lourenço vai ficando cada vez mais frio e começa a acreditar que as pessoas também estão à venda. Filme do diretor Heitor Dhalia (Nina), a obra é baseada no livro homônimo do autor Lourenço Mutarelli.
Este é o filme para quem aprecia o cinema nacional, independente e sobretudo o talento indiscutível de Selton Mello. O ator dá vida a um personagem que às vezes nos faz sentir raiva, e outras vezes piedade. A solidão e amargura ao qual Lourenço esta habituado, são atribuídas por ele pelo fato de que para ter que comprar as coisas das pessoas, ele deveria ser distante, impessoal, caso contrário não obteria lucro. 
O interessante nesse personagem, é que ao mesmo tempo em que ele insensível, pequenas coisas o deixam obcecado como por exemplo: a bunda, o cheiro do ralo, o olho de vidro, e algumas falas de clientes que saem contrariados com o tratamento que tiveram, mas acabam fazendo Lourenço refletir. "A vida é dura", e a insistência de explicar para as pessoas que aquele cheiro vinha do banheiro, tudo isso porque um de seus clientes disse: "o cheiro vem de você."
A relação com a garçonete é cômica. Lourenço enxerga a bunda da moça como mais uma mercadoria, algo que ele poderia perfeitamente pagar e simplesmente olhar. Talvez Lourenço seja a caricatura do homem capitalista, um homem que não sente, não se relaciona com ninguém, apenas paga para ter aquilo que deseja.


E sua obsessão com o ralo? Algo tão simbólico, mas que fez com que Lourenço perdesse o controle sobre si mesmo e das pessoas que julgava controlar. Com o tempo, o cheiro passa a ser viciante, e Lourenço culpava os objetos usados, o fedor do ralo, o abandono do pai, pela sua natureza fria e hostil, vejo Lourenço como uma eterna vítima dos seus próprios atos que por vezes são inexplicáveis e um escravo do poder, dos objetos.
Se você gosta de filmes independentes que retratam as dificuldades do ser humano, esse é o filme ideal. Selton Mello esta impecável, sem dúvidas um dos melhores atores da nossa geração. Palmas para o cinema nacional!


"Não me importo com ninguém, só não quero que pensem que o cheiro do ralo é meu."

Obs: Gostaria de dedicar esta resenha ao Marcos (Clark), um apaixonado pelo cinema brasileiro, e foi graças a ele que conheci esta pérola. Clark, nunca nos conhecemos pessoalmente, mas onde quer que você esteja, espero que tenha gostado do meu trabalho.

sábado, 30 de março de 2013

O Amor e a Fúria - 1994



No subúrbio da Nova Zelândia, uma família de ascendência maori convive com um pai extremamente violento, que tem problemas com bebidas e arruma brigas em bares. A mãe é espancada diariamente e dois dos cinco filhos acabam se envolvendo com a marginalidade, e a filha adolescente que seria o apoio da mãe, também começa a enfrentar problemas.
Primeiramente devo dizer que este é um filme fodido que conta uma história de pessoas fodidas. Não espere ver paisagens bonitas, nem mulheres glamorosas (como estamos acostumados a ver nos filmes americanos). A trama é da Nova Zelândia, e eu me lembro muito bem a primeira vez que o assisti (talvez isso já fosse um sinal de que um parafuso faltava na minha cabeça, onde já se viu uma garota de 14 anos assistir um filme desses, gostar e ficar obcecada?). O Amor e a Fúria dirigido por Lee Tamahori (Na Teia da Aranha), é um filme visceral, ele ataca seu estômago para depois remexer com seu cérebro. 
É por isso que o considero como um dos melhores filmes dos anos 90. Ele é atemporal. Toca em assuntos que são bastante atuais como: violência doméstica, estupro, revolta, suicídio. Beth (Rena Owen) é a mãe dessa família caótica. À princípio, vemos uma mulher submissa ao marido, recebendo seus amigos bêbados em casa, e apanhando. Nos perguntamos: por que? Por que ela suporta? Já a julgamos fraca.
Julgamento errôneo! Pois é Beth quem suporta todos os problemas da família, enquanto o marido Jake (Temuera Morrison) busca refúgio na bebida e na violência.


" Continua a ser escravo Jake! Dos teus punhos, da bebida, de ti próprio!"

O ponto de apoio de Beth é sua filha Gracie (Mamaengaroa Kerr- Bell), uma jovem de 13 anos que ajuda a mãe com as crianças menores, apóia os irmãos mais velhos, escreve histórias e se recusa a ter o mesmo destino que a mãe. Gracie é terna, meiga, mas ela também encontrará a violência, tudo pela omissão dos pais.


No entanto, Beth vai ganhando força, vida, ao longo do filme. Ao ver sua família deteriorada, liberta-se do amor doentio que sentia por Jake, e finalmente ela pôde encontrar sua força interior, a força que lhe faltava para defender os filhos que tanto ama, a força de uma verdadeira guerreira! Beth é a mulher que ama, que luta contra seu algoz, a mulher que sonha. Jake é só um homem que precisa se autoafirmar através dos seus músculos, porque na verdade ele não se sente suficientemente bom para Beth. Ele sabe que sem ela, ele não é nada.

Shame - 2011


Na trama dirigida por Steve McQueen (Hunger), Brandon ( Michael Fassbander) é um homem bem sucedido que mora em Nova York e possui seu próprio apartamento. Brandon tem problemas com sua vida sexual, e além de ter que lidar consigo mesmo, precisa lidar com as exigências do chefe e com a irmã mais nova Sissy ( Carey Mulligan que esta estupenda!), e que precisa do seu apoio.
Devo dizer que o filme não é para qualquer um. E não é mesmo! Li várias críticas e por incrível que pareça, a compulsão sexual ainda é tratada como tabu, para muitos Brandon é apenas um homem solteiro que quer aproveitar a vida. No entanto, basta ter um olhar mais crítico e logo percebemos que o personagem é vazio, gélido como o inverno novaiorquino. O único elo sentimental que Brandon tem é com sua irmã Sissy, mas ele logo a vê como uma ameaça para suas fugas, suas visitas constantes a sites eróticos, as prostitutas, as masturbações...


Sim, tudo isso é mostrado de forma explícita, mas não erótica. Isso porque Fassbander conseguiu transmitir apenas com o olhar um sofrimento e desespero, sentimentos que nos causam piedade, tanta piedade que as cenas de nu frontal e sexo não chocam. Brandon esta doente, esta viciado tal qual um viciado em drogas.
Carey Mulligan deu vida a Sissy. Uma personagem instável que quer cuidar e ser cuidada, mas Brandon a despreza porque segundo ele: "você me encurrala". Isso porque ela descobre seu grande segredo, ninguém imaginava que aquele homem bonito, de hábitos saudáveis e financeiramente bem resolvido pudesse ser tão infeliz. Mesmo o filme não tendo muitos diálogos, Brandon não admite que tem um problema, talvez por vergonha, daí o nome do filme: "Shame".


Sem dúvidas a cena mais bonita é quando Brandon vai assistir a uma apresentação de sua irmã, e ela canta New York New York, fazendo-o chorar, e aí podemos nos perguntar: será que esta chorando de orgulho da irmã? Ou a música o fez lembrar de sua solidão patológica? O fato é que os irmãos são pessoas completamente diferentes, embora sejam conflituosas. Brandon é frio. Sissy é quente. Brandon é distante, Sissy é intensa. Mas nessa estranha oposição, existe lugar para o amor entre os dois.
Uma outra crítica que li dizia que o final é ambíguo. Discordo. O final é aquele mesmo, cru, realista, o final de uma pessoa que não buscou sua melhora, não podia ter sido outro. 


Então por que essa história precisava ser contada? Porque trata-se de um vício, assim como o vício pelas drogas, álcool, etc. Não estou falando aqui de um homem de 30 anos solteiro e que quer transar com todas as mulheres que aparecem. Refiro-me a uma patologia que causa sofrimento, e muito me espantou a reação das pessoas com relação à compulsão sexual. Vejo uma discriminação muito grande, um certo ar de deboche ao se referir ao personagem e que provavelmente poderia ser transferido para uma pessoa com tal patologia.
Se você não esta preparado para lidar com conflitos reais que os seres humanos enfrentam, então eu não recomendo Shame. Assista Crepúsculo e seja feliz!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Joven y Alocada - 2012


Filme chileno dirigido por Marialy Rivas ( ganhadora do Sundance pelo mesmo filme) que conta a história real da jovem Daniela (Alícia Rodriguez) de família evangélica, que escrevia em um blog suas experiências sexuais, até ser descoberta no colégio em que estudava que havia feito sexo com um garoto. Daniela então é expulsa do colégio, proibida de fazer o vestibular  e obrigada a trabalhar em uma emissora de canal gospel pela mãe (Aline Kuppenheim). Lá Daniela conhece Thomás e Antônia o que colocará em dúvida sua própria  orientação sexual.
Preferi deixar o título original do filme, que é também o título do blog. Em uma das minhas pesquisas encontrei o seguinte título: Young and Wild: As Aventuras de uma Ninfomaníaca. Depois que assisti ao filme,   achei o título simplesmente patético. Por isso decidi manter o título original do blog e do filme.
Daniela não tem nada de ninfomaníaca. É apenas uma garota que não consegue se encaixar em uma família rígida, e que gosta de sexo. Diante disto, lembrei-me do filme espanhol "Diário de uma Ninfomana", (você encontra o filme completo no youtube), no qual retrata uma mulher que se permite sentir prazer, e ao indagar a avó se ela teria algum problema, a avó sabiamente responde: "Ninfomania, é um invento dos homens para que as mulheres se sintam culpadas quando saem da normalidade."Perfeito!
Daniela é uma jovem solitária, e sua fé é questionada o tempo todo. Aliás, devo salientar que abordaram de forma simples, engraçada e ao mesmo tempo dramática dois tabus da sociedade: sexo e religião. Como uma adolescente com os hormônios à flor da pele pode ser considerada ninfomaníaca? Ela esta na fase das descobertas, rebeldia, questionamentos, mas é obrigada a partilhar suas dúvidas com estranhos que conhece na internet, tudo isso por causa de sua mãe austera.
E aí podemos salientar o quanto é importante manter o diálogo com os filhos independente da religião. A repressão nunca foi aliada dos jovens. Principalmente quando Daniela conhece Thomás e Antônia, e se vê dividida entre dois amores. "Por que não posso amar duas pessoas ao mesmo tempo?"


Vi uma personagem confusa à respeito da sua sexualidade, da sua religião, querendo ser "batizada" pois acreditava que isso mudaria sua essência, seus desejos. É uma história sobretudo de amadurecimento.
O filme foi muito bem dirigido e Alicia Rodriguez fez um belo trabalho. Seu olhar ao mesmo tempo em que expressava culpa, também expressava solidão e um certo descontentamento. O roteiro é divertido, simples na medida exata, todas as cenas de nudez e sexo foram necessárias sem serem apelativas.
Um belo trabalho que vale à pena ser conferido.


" Mãe, se tivesse sido expulsa do colégio por incendiar uma sala, por envenenar um colega de classe, ou matar um professor, você se importaria menos por ter sido expulsa por fornicação. Porque seu mandamento principal não é "não matarás" ou "amarás ao próximo como a ti mesmo". Seu mandamento principal é : 'Não fornicarás!'"