terça-feira, 18 de março de 2014

Ninfomaníaca - Volume I e II



Sem muitas apresentações porque acho totalmente desnecessário, considerando a grande expectativa do público e a jogada de marketing sobre o novo filme do cineasta dinamarquês Lars Von Trier, a história é sobre Joe (Charlotte Gainsbourg) encontrada desmaiada por Seligman (Stellan Skargard), que presta ajuda à desconhecida, levando-a para casa. Ela então começa a contar sua vida, suas experiências sexuais.
Estou ciente de que minha crítica será bastante simplista, mesmo porque eu não consegui me familiarizar com o cinema de Lars Von Trier, existem muitas simbologias e muitas de suas crenças estão contidas em alguns de seus filmes. E Ninfomaníaca não foge à regra.
Particularmente tive curiosidade de assisti-lo, porque basicamente os filmes que falam da compulsão sexual em mulheres sempre me soou muito machistas. A única personagem que consegui identificar realmente o vício pelo sexo, e o sofrimento que qualquer vício traz, foi Anita, filme homônimo, sueco, produzido na década de 70, do diretor Torgny Wickman e acabou tornando-se um cult movie.
Tive curiosidade de ver como Lars Von Trier mostraria a compulsão sexual, se seria com a mesma seriedade que Steve McQueen em Shame (apesar do protagonista ser um homem), ou trataria a personagem apenas como uma mulher que gosta de sexo e por esta razão é chamada de ninfomaníaca. Existe uma clara diferença entre gostar de sexo, e ser viciado.
Sim, o filme é sobre compulsão e não há uma razão aparente para que Joe desenvolvesse essa dependência. Ela não procurava amor, ela não queria ser valorizada. Como a própria personagem diz em um grupo de apoio no Volume II: "preciso sentir algo dentro de mim, mesmo que seja uma tonelada de lixo.
Ela conhece Seligman, que escuta atentamente suas histórias, desde quando ela era uma criança e descobriu sua genitália, até sua fase jovem em que ela e uma amiga se prostituíam em trens para conseguir saquinhos de chocolate.
As intervenções de Seligman são interessantes. No entanto, o encontro dos dois foi algo forçado. Quando Joe começa a falar, e Seligman intervém, isso logo nos remete a uma sessão terapêutica, ou melhor psicanalítica. Seligman é Freud e Joe sua paciente deitada e ferida em uma cama (divã).
No primeiro volume, Seligman faz paralelos interessantes entre a vida sexual de Joe, a pescaria, música e literatura. Ele é um homem sozinho assim como Joe, e o que os dois têm em comum? Joe é viciada em sexo e seu ouvinte em livros. Percebemos então que cada ser humano busca o prazer, a satisfação, o gozo, e isto não esta ligado ao ato sexual.
Os dois volumes têm seus pontos altos e baixos. Creio que no primeiro filme, o relacionamento entre Joe e a mãe poderia ter sido mais explorado, esse foi um dos maiores "buracos" que encontrei no roteiro. O pai era presente, enquanto que a mãe sequer teve qualquer contribuição na formação da personagem. Mãe ausente? Indiferente? Trier fez isto de propósito? Fica à critério de quem assiste...
A personagem foi bem construída. É ambígua. Em um momento sente vergonha de si mesma, sofre, chora, e depois sente-se no direito de "desfrutar sua luxúria". Ela passa por crises de abstinência, ela não ama, ela é o que ela mesma se define: "uma marginal sexual".
Com o tempo ela não sente mais prazer e sua busca incessante a leva para um caminho de desespero, até  perder completamente o medo e os escrúpulos. A ferida na vagina (uma referência de Lars a "Anticristo"), Joe explica que esta ferida surgiu devido às constantes idas a um praticamente de sadomasoquismo que ela conheceu durante sua procura incansável pelo orgasmo. O sangramento no clitóris pode ser uma simbologia usada por Lars Von Trier como forma de punição por não ter sido boa esposa e mãe. Algumas aldeias africanas cortam o clitóris da menina para que o prazer lhe seja negado, Joe "corta" o seu prazer, embora necessite dele.


É um filme sobre sexo. Sexo que pode ser usado para conquistar, magoar, chantagear. Sexo que move o mundo. Mas quando digo isso não me refiro a uma mulher que usa sua sensualidade para ter o que quer. Trata-se de uma mulher que sofre com sua solidão porque não se encaixa na sociedade, é egoísta e às vezes fria, o que pode gerar antipatia em algumas pessoas, mas não nos esqueçamos de que Joe é compulsiva!
Com diálogos interessantes, algumas cenas ocas, uma bela fotografia, Lars Von Trier conseguiu ir além da patologia. Ninfomaníaca mexe com nosso emocional e coloca em xeque os valores da sociedade.

Cotação: 4 estrelas

Link para assistir o Volume I: Ninfomaníaca - Volume I
Link para assistir o Volume II: Ninfomaníaca - Volume II

sábado, 15 de março de 2014

Heli



Dirigido pelo cineasta mexicano Amat Escalante, vencedor do prêmio de melhor diretor no festival de Cannes de 2013 por Heli, o filme se passa em uma cidade no interior do México dominada pelo tráfico de drogas. O personagem Heli é um rapaz que vive em uma pequena casa com sua esposa, filho, sua irmã Estela de 12 anos e seu pai.
Todos os problemas começam a aparecer por causa do namoro de Estela e Beto, um cadete que se envolve com o traficantes. Heli então vê sua vida mudar drasticamente.
Este é um filme para quem tem estômago forte. Escalante conseguiu produzir um filme que chocou pela sua crueza, não poupou nas cenas de violência nem mesmo com animais, e você assiste àquilo tudo e se pergunta se coisas do tipo acontecem.
Não acho que o diretor tenha querido mostrar o pior do México. Acredito que sua intenção era mostrar o que acontece no mundo inteiro: a garotinha que se apaixona por um rapaz mais velho, sonha em se casar como em um conto de fadas, não mede esforços para ajuda-lo (mesmo que isso implique colocar a segurança da sua família em risco), para só depois perceber que a realidade é bem diferente.
O filme choca em todos os sentidos. A fotografia árida e ácida, a falta de perspectiva dos personagens, até mesmo o tipo físico de Estela. Ela tem corpo de criança, seu namorado já é um homem e quer ter relações sexuais com ela, mas ela não quer. Quer casar. Quer viver um sonho encantado. Sua mentalidade ainda é de uma menina.
Falo de Estela, porque apesar do filme levar o nome de Heli, a história basicamente baseia-se nesse romance idealizado da menina e da violência. Vejo que na verdade, as duas são protagonistas. O que antes era amor e sonho, apesar da pobreza, reduziu-se ao ódio, desespero e sede de vingança.
Escalante não poupou nas cenas de tortura, nem mesmo quando o cachorrinho de Estela é estrangulado bem na sua frente! No entanto, outras cenas poderiam ter sido facilmente descartadas.
Heli é o retrato da pobreza, da violência. Hipocrisia dizer que as cenas são desnecessárias, se convivemos com isso todos os dias. A questão é que fingimos não acontecer. É sim um filme polêmico que eu não indico para todos. Mas ainda assim consigo enxergar beleza em meio ao caos que ainda estou digerindo, porque a arte serve para refletirmos sobre nossa realidade, nosso contexto e nossa própria existência.

Cotação: 3 estrelas

Link para assistir online: Heli

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