domingo, 27 de outubro de 2013

Perdas e Danos


Do mesmo diretor de "Menina Bonita" primeiro e polêmico filme de Brooke Shields, Perdas e Danos foi lançado em 1992 pelo cineasta francês Louis Malle. Estrelado por Jeremy Irons e Juliette Binoche, este poderia ser mais filme clichê sobre um homem mais velho, rico e importante que se vê sexualmente atraído pela noiva de seu filho.
No entanto, creio que o diferencial esteja certamente nos diálogos (ou na falta deles), que carregam dramas familiares. Mas é no silêncio que se encontra o jogo de sedução entre Stphen Fleming (Jeremy Irons) e Anna (Juliette Binoche).
As expressões faciais dos dois atores diante desta atração sexual não precisam de diálogos. E destaco aqui o excelente trabalho de Jeremy Irons que consegue transmitir desejo, culpa, medo, constrangimento, tantos sentimentos contraditórios somente com o olhar.
Anna é uma mulher bastante peculiar, quase não fala, mas é uma jovem intelectual que passou a infância percorrendo o mundo e presenciou uma grande tragédia ainda na adolescência. Cheia de atitude, gosta de ser livre, é o oposto de Ingrid (Miranda Richardson) esposa de Stphen. Uma típica dona-de-casa, que vive para o marido e os filhos e fica impressionada (e por que não dizer chocada?) com os pensamentos modernos e autônomos da nora.
Não posso negar que Anna foi uma personagem que me chamou bastante atenção por ser uma mulher bem à frente do seu tempo. Estamos falando aqui de um filme do início da década de 90, e quando se vê seduzida pelo próprio sogro, é ela quem toma iniciativa, é ela quem marca os encontros, ela quem diz até onde devem ir. Por que não dizer que é uma personagem absolutamente feminista?
Não estou com isto querendo defender a traição, o desejo avassalador coloca um homem diante de um dilema e uma mulher que sabia o que toda essa atração poderia provocar caso o romance fosse descoberto. E neste sentido o filme foi bastante realista em mostrar que eles poderiam sim desfrutar de uma vida a dois, deixar o sentimento fluir, no entanto, pessoas que eram importantes para eles, sobretudo para Stphen sofreriam e até mesmo o odiariam por esta escolha.
As cenas de sexo foram muito bem construídas, nada em demasia, nada explícito, tudo na medida. O sexo remetia aquilo que eles sentiam um pelo outro: desejo. Era uma relação selvagem, desesperada, apaixonada, instintiva. Corpos, suor, perda da noção de certo e errado, tudo absolutamente carnal e incontrolável.
Um filme sobre paixões avassaladoras e suas consequências. Destaque também para a atuação de Miranda Richardson, que no final saiu do papel de esposa perfeita e mostrou seu lado de mulher ferida, magoada. Sem dúvidas, após sua interpretação final, conseguimos compreender seu comportamento.

Cotação: 3/5 estrelas

Link para assistir online: Perdas e Danos

sábado, 19 de outubro de 2013

Camille Claudel, 1915



Dirigido pelo cineasta francês Bruno Dumont que também dirigiu a obra minimalista O Pecado de Hadewjich, não se trata de um remake do filme de 1988 estrelado por Isabelle Adjani como muitos pensaram quando saiu boatos de quem uma nova obra sobre a famosa escultora francesa seria rodada.
Em Camille Claudel,1915 encontramos uma mulher de meia-idade interpretada pela fantástica Juliette Binoche, já internada em um hospital psiquiátrico. Para quem não conhece a história de Camille, ela foi uma famosa escultora francesa, pupila e amante do também escultor Rodin. Vendo que Rodin não se casaria com ela, Camille decide desvincular seu trabalho e seu envolvimento do mestre e do homem que amava para seguir sua própria carreira.
No entanto, o rompimento com Rodin e a morte de seu pai que era o único familiar que apoiava seu talento, culminou na perda gradativa de sua sanidade, até que por fim seu irmão Paul Claudel decide interná-la em um sanatório. 
Caso tenha interesse em assistir e ler o comentário sobre o primeiro filme, segue o link: Camille Claudel: entre a genialidade e a loucura.
Gostaria de destacar aqui, que não cabe comparações nas atuações de Isabelle Adjani e Juliette Binoche tendo em vista que são duas atrizes francesas muito talentosas e que cada uma interpretou brilhantemente Camille Claudel nos dois momentos mais difíceis da sua vida.
Também não cabe aqui comparar as duas obras já que o filme de 1988 retrata a juventude da escultora seu ápice e seu declínio, já no filme Bruno Dumont o roteiro foi baseado nas correspondências que Camille trocou com seu irmão Paul e no seu lado médico.
Camille Claudel, 1915 foi rodado em um hospital psiquiátrico de verdade com doentes mentais de verdade. A sensibilidade do cineasta e de Juliette Binoche para lidar com o elenco de apoio é algo surpreendente! Às vezes sentimos que Binoche parece indiferente aos internos, mas não podemos nos esquecer de que ela é Camille e que aquele mundo não é para ela.
As horas parecem não passar para aquela mulher que sente-se oprimida, ela olha para o céu, a câmera focaliza a expressão de deslocamento de Juliette Binoche. Não é preciso dizer nada, entendemos o que ela sente.
O que dizer sobre seus momentos de angústia e esperança? Como não se emocionar? Os jardins do hospital parecem áridos e nada tem a ver com a arte daquela mulher que não conseguia mais esculpir, que foi exilada pela família, rejeitada pelo único homem que amou.
Rodar o filme em um hospital psiquiátrico e ter como elenco de apoio doentes mentais, não é caridade. Isso é tentar ser o mais realista possível para realizar um filme que pode ser considerado histórico sobre uma grande personagem! Se você não conhece Camille Claudel, assista as duas obras e aprecie a vida e arte desta mulher que merece todo nosso respeito e admiração.

A falta de amor pode enlouquecer.

Cotação: 5 estrelas

Link para assistir online: Camille Claudel, 1915

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Som ao Redor



Filme de 2012 dirigido e escrito por Kleber Mendonça Filho conhecido por produzir curtas como: Vinil Verde, Eletrodoméstica e Recife Frio, este é o primeiro longa de ficção do cineasta que sem sombra de dúvidas conseguiu a façanha de refazer o cinema, retratando a classe média como nunca tinha sido mostrada.
Trata-se sim de uma crítica à sociedade. Mas não a sociedade dos morros, do tráfico de drogas, dos presídios, como estamos acostumados a ver em filmes como Carandiru, Tropa de Elite e tantos outros que expõem tão bem os problemas de um Brasil oprimido e que levianamente são criticados por quem acha que cinema nacional resume-se a: favela, palavrões, tráfico, seca do nordeste.
O Som ao Redor mostra o cotidiano de uma rua de classe média no Recife. Aparentemente o que vemos realmente é o dia-a-dia dos personagens, nada demais. No entanto, logo no início do filme nos deparamos com fotos em preto e branco mostrando trabalhadores rurais, plantações de cana-de-açúcar, casarões antigos, e em seguida um condomínio moderno cheio de crianças brincando. É o ponto de partida da história e um belo contraste social!
A chegada de seguranças particulares muda a rotina da vizinhança. Uma vizinhança que parece ser comandado  por um coronel dos tempos antigos: Sr. Francisco (Waldemar José Solha) que é dono de vários imóveis na região e exerce grande influência entre os moradores.
Talvez tudo que eu escreva aqui já tenha sido escrito antes. E não é para menos, eu realmente nunca tinha visto a classe média como ponto central em um filme brasileiro. Geralmente vemos o imigrante nordestino, o bandido, a polícia, o morador de rua. Não que isto seja ruim, mas retratar um outro grupo de pessoas preocupado com a sua segurança, preocupado com o recebimento intacto da Revista Veja, é algo realmente novo.
A obra de Mendonça Filho tem essas nuances que podem passar despercebidas, mas que merecem ser discutidas.
Um outro ponto curioso é o do menino que escala as casas. Ele é mostrado em duas cenas: a primeira é quando Bia, incomodada com os latidos do cão, perde o sono e vai para a varanda. Ela então vê um garoto escalando os telhados de uma casa. 
Na outra cena, a filha de Bia sonha com vários meninos que sobem em árvores e em casas. Ela fica apavorada! 
Há uns anos atrás no Recife de fato existiu um "menino-aranha" que roubava os apartamentos escalando-os. Tiago João da Silva foi morto a tiros com 18 anos. Kleber Mendonça Filho recria essa personalidade que ficou tão popular no Recife, transformando-a em uma figura quase fantasmagórica. É o medo da classe média que vê sua segurança abalada, ou medo da ascensão dos que sempre foram oprimidos?
Quando o neto do Sr. Francisco vai visita-lo no antigo engenho podemos entender as fotos que são mostradas no início do filme e como Sr. Francisco conseguiu tantos imóveis. E o mais curioso, é que seu neto, o personagem mais simpático da trama é quem tem um pesadelo com a cachoeira da fazenda. Ele sabe que o patrimônio do avô e que um dia será dele, foi construído às custas de trabalhadores que deram o suor e certamente a vida pelo engenho.


Realmente não sei se consegui escrever uma crítica a altura do filme. Depois de assisti-lo entendi porque tem sido tão falado e esta sendo cotado para representar o Brasil no Oscar 2014.
O que posso afirmar é que se você tem aqueles velhos conceitos contra o cinema nacional, esta perdendo uma grande chance de assistir grandes obras como O Som ao Redor. Com Oscar ou sem Oscar não tenha dúvidas de que Kleber Mendonça Filho revela-se como um cineasta promissor e de que seu primogênito é uma reviravolta no nosso cinema.

Cotação: 5 estrelas

Link para assistir online: O Som ao Redor